A “DONA GRAMÁTICA”
IMPÕE-SE E DISPÕE-SE…
Brasilino Godinho
A criatura que
acorre ao chamamento pelo nome de GRAMÁTICA e, aqui, aparece adornada com a
forma cortês de tratamento Dona, é de índole portuguesa. Goza da prerrogativa
de ser muito conhecida e respeitada em Portugal e no mundo dos indivíduos, de
algum modo, ligado à nação portuguesa e aos portugueses dos diversos lugares e
dos mais variados e circunstanciais tempos de antanho e, ainda, das épocas mais
recentes.
A digna senhora,
gerada, crescida e apadrinhada no seio de numerosa e dispersa família que,
deveras, a estimava, chegou aos nossos dias em grande forma física e não menor
excelência de estado da alma. Ela, de aspecto austero, mas sempre mostrando-se
acessível ou predisposta ao convívio com novos e velhos, sem distinções de
classes, de raças, de credos e de sexos, aí está vigorosa e devidamente
alinhada com as conveniências da vida social. O aspecto físico denota que não
lhe pesam os anos. Dela se conhece a propensão para evoluir naturalmente ao
compasso do tempo e para bem tratar as palavras e, através delas, tonificar a
raiz do pensamento - o que, diga-se, é uma sublime tarefa. Aliás, em
consonância com uma elevada forma de viver em sociedade.
Trata-se de uma
magnífica figura que infunde respeito, veneração e à qual se confere o direito
a reconhecimento geral e veneração particular explícita, face ao público ou
acomodada no imo de cada um dos admiradores; porquanto, todos dela colhem
ensinamentos e orientações tão necessárias e aplicáveis na vida da sociedade e,
particularmente, no curso de existência do vulgar cidadão.
È interessante
notar que ela se apresenta, à vista desarmada, saudável, bem nutrida, robusta,
mui retocada e bastante guarnecida com adereços no vestuário; os quais, em vez
de lhe darem um aspecto de burlesco espavento, pelo contrário, lhe conferem
alguma graciosidade. Quando a famosa dama é observada mais de perto e tocada
com todos os devidos, requintados, marcadores - o melhor jeito, a
mais pura das intenções e a imprescindível solicitude - por qualquer indígena,
é inevitável que o felizardo observador (mui diligente e… astuto tocador) fica
sensibilizado com as suas harmoniosas e delicadas formas.
Particularidade
ímpar da sua rica personalidade é a de ser muito culta, dir-se-ia que
enciclopédica. Neste ponto, convém sublinhar que é especializada nas matérias
que se consubstanciam na sua pessoa. Talvez por isso, jamais a acusaram de ter
algo na manga. É que está tudo à vista - esteja esta, ingenuamente, desarmada
ou acintosamente armada com preconceitos e aversões de melhor ou pior espécie…
Daí, que
personalidades notáveis da história pátria lhe tenham prestado homenagem,
companheirismo e amizade. Têm sido muitas e torna-se impraticável enumerá-las
neste despretensioso texto. Até para não ferir susceptibilidades de pessoas
vivas e desvalorizar, por omissão, as memórias de tantas que, com raro sentido
de oportunidade, da lei da morte se libertaram.
Sabe-se que, às
vezes, a conhecida senhora é agradável companhia em serões de província,
vigílias de estudantes de menores ou maiores idades em várias localidades do
País e nos desencontros de afidalgados cavalheiros e de altivas e esforçadas
damas em selectos ambientes encenados nos palacetes da média burguesia e nos
palácios da alta aristocracia de Lisboa, Porto e Coimbra; nos quais são
utilizados os ensinamentos de adequada linguagem fornecidos pelo prestável ser
aqui posto em evidência – mesmo que ele não esteja presente fisicamente nos
diferentes lugares enumerados.
Também de assinalar
o facto de, a insigne criatura, saber dar-se ao respeito. O que, certamente,
decorre da sageza, acumulada ao longo dos anos, que evidencia e do prestígio
alcançado. Outrossim, da grande disponibilidade para a consulta dos pacientes
que sofrem do mal da ignorância e dos atropelos da linguagem (seja ela, falada
ou escrita). Claro que a mesma senhora dona, da nossa comum estimação, está
sempre aberta ao diálogo. E aqui damos realce à circunstância, não despicienda,
de ela ser senhora muito virtuosa. Não se lhe conhecem erros. Só se lhe apontam
ligeiros pecados: o da gula das
palavras, um fraquinho pelos acentos tónicos, a desconfiança face às
esdrúxulas, a repulsa pelos tremas, a extrema ternura pelos verbos, a invulgar
amizade pelas irmãs gémeas fonética e fonologia, a especial adoração pela
morfologia e a irreprimível paixão pela sintaxe. Mas mesmo estes “pecadilhos”
são admitidos com rejeição das indulgências papais… Mais: eles são, igualmente, de forma benévola, considerados pelos
veneráveis sacerdotes, pelos conscientes discípulos e pelos fiéis admiradores e
beneficiários dos créditos facultados pelo augusto ser, como virtudes de alto
valor didáctico e com qualidade científica de inestimável importância. É altura
de dizer que os aludidos sacerdotes oficiam nos modernos templos do SABER
especialmente vocacionados para o culto do Ser aqui contemplado com todo o
carinho: as escolas dos diferentes
graus de ensino (excluindo, obviamente, as escolas de samba…).
Em todo o caso,
registe-se que apesar da idoneidade moral, dos elevados padrões de qualidade e
de sabedoria concentrados na sua pessoa, da utilidade que decorre da sua
existência e da prestimosa missão que se impôs a si própria, a respeitável
senhora é, frequentemente, agredida sem dó, nem piedade, por gente de má
língua. Os malfeitores adoptaram um procedimento único de ofensa: o pontapé. É vulgar ouvir-se: “o tipo (ou a tipa) deu um pontapé na
Gramática”. Tais actos ofensivos, por vezes, são extremamente violentos.
Demasiado obscenos. Quem não se lembra de um desses pontapés desferido por um
antigo governante conhecido pelo nome de o Sr. Coelhone? Pois é… Aqui, tocamos
na ferida. São os governantes que enfileiram no grupo formado por desordeiros
verbais e malfeitores da escrita, que mais agridem a senhora, quando deviam
respeitá-la com determinação e, assim, constituírem exemplo para os indígenas.
O mesmo se poderá afirmar relativamente aos jornais, às rádios e, sobretudo, às
televisões, que a todas as horas a ofendem com descaro e sem vergonha.
À vontade de
Deus sujeita e com o apoio de qualificados homens e distintas mulheres ela,
“DONA GRAMÁTICA” - sendo um ente superior e impoluto – mostra, através da
grandeza da posição a que se alcandorou com sapiência e rectidão, que ninguém
consegue macular a sua genética pureza.
Finalmente,
damos referência que a “DONA GRAMÁTICA” tem uma nobilíssima ambição: pôr toda a
gente portuguesa e do mundo lusíada, a falar e escrever correctamente a Língua
Portuguesa.
Também por isso,
em casa, fora do lar, nas ruas, nos palácios da governança, nas assembleias dos
repúblicos, em toda a parte onde pulsar um coração luso: Honra lhe seja feita! Todas as homenagens lhe sejam prestadas!
P.S. –
Dir-me-ão: Mas há gente que não gosta de Dona Gramática.
É verdade! Paciência! Existem gostos
para todos os desgostos…
Por exemplo: Há pessoas que vivem durante muitos anos em mancebia com
a Dona Ignorância…
0 Comentários:
Enviar um comentário
<< Página Principal