GRANDE E
LAMENTÁVEL SABUJICE
APONTADA POR
EÇA DE QUEIRÓS
Transcrição de Brasilino Godinho
“Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra: todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro.
Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade; e quem for possuindo com crescente perfeição os idiomas da Europa, vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto da fala materna com as suas influências afectivas, que o envolvem, o isolam das outras raças; e o cosmopolitismo do Verbo irremediavelmente lhe dá o cosmopolitismo do carácter. Por isso o poliglota nunca é patriota. Com cada idioma alheio que assimila introduzem-se-lhe no organismo moral modos alheios de pensar, modos alheios de sentir. O seu patriotismo desaparece, diluído em estrangeirismo…
Por outro lado, o
esforço contínuo de um homem para se exprimir, com genuína e exacta propriedade
de construção e de acento, em idiomas estranhos - isto é: o esforço para se
confundir com gentes estranhas no que elas têm de essencialmente
característico, o Verbo - apaga nele toda a individualidade nativa. Ao fim de
anos, esse habilidoso, que chegou a falar absolutamente bem outras línguas além
da sua, perdeu toda a originalidade de espírito, porque as suas ideias
forçosamente devem ter a natureza incaracterística e neutra que lhes permita
serem indiferentemente adaptadas às línguas mais opostas em carácter e génio.
Devem, de facto, ser como aqueles corpos de pobre, de que tão tristemente fala
o povo, que cabem bem
na roupa de toda
a gente.
Além disso, o
propósito de pronunciar com perfeição línguas estrangeiras constitui uma
lamentável sabujice para com o estrangeiro. Há aí, diante dele, como o desejo servil de não
sermos nós mesmos, de nos fundirmos nele, no que ele tem de mais seu, de mais
próprio - o Vocábulo. Ora isto é uma
abdicação da
dignidade nacional.
Não, minha
Senhora! Falemos nobremente mal,
patrioticamente mal, as
Línguas dos outros!”
Eça de Queiroz (in "A Correspondência de Fradique
Mendes", 2ª. ed. Porto, 1902. pág. 142)
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