A IMPROCEDÊNCIA DE
O FRASEADO EANISTA
Brasilino Godinho
10/05/2022
A Agência Lusa divulgou a seguinte informação:
Li, reli, tentei apreender nexo, notar substância, aperceber regularidade semântica ou outra de natureza vária; certamente tida de alguma conformidade discursiva; mas nicles!
Houve sentido de me conformar em manter a ignorância acerca da riqueza que o ilustre ex-Presidente da República achou por bem me conceder magnanimamente sem eu me dar prévia conta e que, apesar de português agora chamado à colação, não conhecia: esse airoso achado de ser dono do meu destino – o que, apesar da boa vontade eanista, continuo a ignorar. E por tal míngua de conhecimento, nem se põe a hipótese de vir a ser eventual beneficiário.
Só não fiquei pasmado pela razão de que o general Eanes já nos vai habituando a estes desajustes de fraseados equívocos e inexpressivos que denotam carência de objectividade e falha de pensamento estruturado em harmonia com sólida base filosófica.
Repare-se no vazio, na incongruência, na absurda consideração: a “revolução dos cravos” ter permitido aos portugueses tornarem-se “donos do seu destino.” Como assim?
Desdobra-se a questão nas perguntas seguintes:
Em que termos se processou a presumida permissão alcançada por mérito da Revolução? Qual o destino visionado pelo general Eanes? Como se demonstra essa posse do destino dos portugueses? O que é ser dono do seu destino? Mas, o que é essa coisa do “destino”? Mesmo que o mistério dela seja correlacionado com os portugueses?
Primeiro, entenda-se o que vem a ser o destino.
Desde logo, destino é a presunção imprecisa de um “poder superior à vontade do homem que se supõe fixaria, de maneira irrevogável, o curso dos acontecimentos”. Seria fatalidade. Ou poder discricionário, absolutíssimo do famoso Grande Arquitecto do Universo. Sob tal imperativo da Superior Entidade que transcenderia a vontade do homem e a ela ficaria ele inteiramente submetido, não colhe a ideia do general Eanes de que mais de que um, mas afinal muitos milhões de portugueses se teriam tornado donos dos seus destinos. De todo improvável tal vontade dos portugueses se concretizar ultrapassando um poder que, decerto, bloquearia e inviabilizaria a aventada hipótese de a Revolução de 25 de Abril de 1974 ter aberto espaço e franqueado a imposição soberana dos humanos portugueses de a si próprios se atribuírem a prerrogativa de serem donos do seu destino. Um atrevido abuso de confiança que aos portugueses não seria permitido por demasiado afrontoso ao Grande Poder.
Destino único? Colectivo? Imposto pela Partidocracia? Ou destinos, milhentos, individuais? Definitivamente: portugueses donos de que destino predestinado ou antevisto pelo cidadão Ramalho Eanes? Para quando ele, feliz ou desinfeliz, previsto na agenda do ilustre militar? Todos portugueses donos de tal benesse ou infortúnio? Com que sentidos de justiça e de injustiça previstos na outorga acintosamente autopromovida?
E face a uma União Europeia de incerto futuro qual será mesmo o destino de Portugal e dos portugueses e com que benfeitorias e devaneios de “donos do seu destino” se vão vangloriar os indígenas da lusa Pátria?
Por outro prisma: se considerar-se destino a sucessão de factos constituintes da vida de uma pessoa, que fluem muitos deles independentemente da sua vontade, como não rejeitar liminarmente a ideia de posse do destino seja ele hipoteticamente do ser humano ou de ente colectivo?
Ainda quanto a destino ser admitido como reserva de algo: emprego, uso, lugar a que se chega, rumo, direcção; ele, nestes casos, tem referencial substantivo que não abarca o deslocado sentido impreciso, subjectivo e equívoco que o general Eanes lhe configurou.
Importa anotar que destino de vida ou de muitas existências é coisa impossível de prever ou de considerar na plena posse de qualquer ser vivente. E nunca a Revolução poderia ser instrumento que viabilizasse essa condição a qualquer um ou a milhões de indígenas portugueses.
Porém, estamos face a uma moldura de destino, que real, em termos concretos, só configura uma conjuntura determinante, realística e fatal em todos os domínios da Natureza: a criação, o crescimento e a morte.
Correlacionando com o fraseado do general Ramalho Eanes, tenha ele a certeza e dela dê testemunho aos cidadãos nacionais: os portugueses desde que nascem são donos do seu destino – a morte. E logo lhe seguem o rumo. É o único elemento/factor de vida de que são donos. E para colherem essa condição, benefício ou contrariedade, a Revolução de 25 de Abril, nem lhes aquenta, nem arrefenta… O que de maneira nenhuma a ela retira mérito e lhe ofusca glória.
Concluindo: o fraseado do general Ramalho Eanes, aqui focado, é singularmente Improcedente!
0 Comentários:
Enviar um comentário
<< Página Principal