Leitor,
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SE ACREDITA QUE A INTELIGÊNCIA

SE FIXOU TODINHA EM LISBOA

NAO ENTRE NESTE ESPAÇO...

Motivo: A "QUINTA LUSITANA "

ESTÁ SITUADA NA PROVÍNCIA...

QUEM TE AVISA, TEU AMIGO É...

e cordialmente se subscreve,
Brasilino Godinho

terça-feira, janeiro 11, 2022

 

BRASILINO GODINHO EM

TEMPO DE RECORDAÇÕES

11 de Janeiro de 2022

 

O namoro em Ponta Delgada

com a jovem micaelense

Luísa Maria Albernaz Tápia

Naquela época de meados do século XX estava vigorando a tradição do namoro tendo como premissa a finalidade de ser período para cimentar conhecimento mútuo e facultar adaptação do casal a uma vida em comum, de harmonia conjugal. Assim aconteceu com os dois jovens: micaelense Luísa Maria Albernaz Tápia e tomarense Brasilino da Costa Godinho.

Outra tradição também nessa altura existente no Continente e nos Açores era o namoro ser efectuado com a menina à janela e o rapaz posicionado de pé, na rua, junto à parede do edifício.

Eu costumava dizer aos familiares e aos meus amigos e colegas que jamais faria um namoro seguindo aquela norma estabelecida nos costumes da sociedade portuguesa. Várias vezes dito e de diferente modo cumprido pelo Brasilino Godinho, em manifesta consonância com a sua determinação sempre latente, a quando chegou a hora de ser namorado.

Foi em Julho de 1954 que um dia, pelas 17 horas, em plena Rua do Diário dos Açores, na cidade de Ponta Delgada, me dirigi à moça, minha futura mulher, declarando-me e pedindo-lhe namoro. Reservou resposta para ter tempo de pensar e ouvir a opinião da mãe D. Mariana Albernaz e do padrinho Sr. Albernaz. Do padrinho, por a sua condição ser de órfã do pai, Sr. Luís Tápia.

No dia seguinte trouxe-me a decisão de, em princípio, aceitar o meu pedido, até ver onde chegaria a compatibilidade dos feitios. Logo aí ficou claro que nunca conversaríamos comigo postado em jeito de tomar gargarejo junto ao belo edifício apalaçado, sito no Largo 2 de Março, onde residia com a mãe e o casal dos idosos padrinhos Albernaz.

Sempre considerei que terei tomado uma iniciativa importante e de grande, feliz, alcance no meu futuro. Embora consciente de que ficava adiado sine die o desígnio de entrar na Universidade. O que representou o prenúncio de uma sucessão de circunstâncias que foram surgindo como prioritárias, impeditivas do acesso ao Ensino Superior, a que houve necessidade de atender oportunamente.

Mês depois, trouxe-me a grande novidade: o padrinho chamara-a à sala de escritório para lhe transmitir a decisão de que os familiares concediam plena autorização para sermos… “noivos”. Fiquei sabendo que, segundo os hábitos da sociedade micaelense, logo que começava o namoro automaticamente passávamos a ser noivos. Ignoro se tantas décadas passadas ainda persiste tal hábito. Mais o padrinho a informou de que tinha enviado uma carta ao presidente da Câmara Municipal de Tomar (que não conhecia) a solicitar-lhe o obséquio de lhe transmitir informações acerca do Brasilino. E as informações que o presidente da Câmara lhe enviara, por via dos CTT, continham as melhores referências sobre o jovem tomarense. Portanto, a família ficava tranquila e ela tinha pleno assentimento para prosseguir o relacionamento amoroso.

A iniciativa do Sr. Albernaz fazia sentido por duas razões: primeira, por ser, na qualidade de padrinho, o protector da sua afilhada, órfã e lhe ser obrigação bem acautelar a sua segurança e futuro bem-estar; a segunda, por que naquela altura os continentais tinham má fama, devido aos inúmeros casos de abuso sexual ocorridos no período da grande guerra de 1939/1945. O ressentimento era profundo. Pois o que acontecera fora propiciado pela iniciativa dos párocos, de pelo Natal e Páscoa sugerirem aos paroquianos que acolhessem nas suas casas os soldados expedicionários por eles, naquelas datas festivas em que se cultiva a fraternidade cristã, se encontrarem entristecidos, fora dos seus lares. Com as melhores intenções os micaelenses assim procederam. Vieram a arrependerem-se! Pois que se estabeleceram facilidades e familiaridades que muito deram para o torto. Ou seja: bastantes jovens foram vítimas de violação e algumas se sujeitaram a casamentos que muito as atormentava no quotidiano das suas precárias vidas nos meios rurais do Continente. 

De realçar que talvez haja sido o meu namoro caso único em Portugal: o de haver obtido a prévia recomendação/aprovação de uma entidade oficial: presidente de Camara Municipal… Uma singular ocorrência brasiliana das muitas fixadas em registo no meu currículo de vida; a qual perfez em Outubro transacto 90 anos de existência à face da Terra.

Aconteceu que o namoro dos “noivos” Brasilino e Luísa decorria em passeios pelas ruas e avenidas e sentados nos jardins. Coisa nunca vista em Ponta Delgada. Um escândalo que suscitava aversão nalguns transeuntes que se cruzavam connosco nas passeatas que fazíamos diariamente.

Anoto uma circunstância algo premonitória: um dos jardins que mais frequentávamos era o Jardim do Colégio; precisamente onde está erguido o memorial de homenagem ao insigne poeta Antero de Quental. Hoje admito que Brasilino e Luísa éramos atraídos pelo seu espírito, visto que, invariavelmente, era no espaço arrelvado confinante ao monumento que nos sentávamos a conversar.

Então, muito longe de imaginar que, após decorridas largas dezenas de anos, eu estaria indelevelmente ligado à sua figura e valiosa obra.

Ele, Antero de Quental foi pessoa que mantinha fortes laços familiares em Tomar – cidade onde nasci e fui criado. E a sua personalidade, obra e fervor patriótico constituíram tema da tese do meu Doutoramento pelas Universidades de Aveiro e do Minho, a 05 de Julho de 2017.

Circunstância premonitória? Creio que sim! Também singular! A juntar a tantas outras assinaladas no percurso de vida de Brasilino Godinho.

A senhora D. Mariana Albernaz, mãe da minha conversada, nos primeiros meses do nosso namoro, era abordada pelas amigas que “pesarosas”, com ares compungidos, lhe diziam: “Mariana, a tua filha anda aí pelas ruas e jardins com um continental e qualquer dia ele regressa sorrateiramente a Lisboa (era usual, na voz popular, dizer Lisboa em vez de Continente) e a tua filha fica aí comprometida, para tia e sem futuro. Que pena uma menina tão prendada e logo acontecer-lhe tal desgraça”. Com o tempo foram-se acostumando e deixando a minha futura sogra em paz.

Assim continuámos passeando, conversando e aprofundando o amor recíproco, sem grandes sobressaltos, embora tenham ocorrido alguns dos chamados arrufos de namorados.

No mês de Junho de 1956 regressei ao Continente já na condição de verdadeiro noivo pois que dois meses antes pedira a Luísa em casamento. Atitude e responsabilidade que assumi de minha livre vontade.

Nos meses seguintes trocámos correspondência por via postal. Só interrompida quando ela viajou de Ponta Delgada para Abrantes onde se fixou na residência da irmã casada, senhora D. Marina. Lá fez os derradeiros preparativos para o cerimonial do casamento que pretendemos ser efectuado em Fátima – e conforme tudo que houvéramos combinado. 

A 08 de Junho de 1957 casámos na Basílica de Fátima, a que se seguiu o almoço tradicional no Restaurante Nazareno, localizado nas proximidades do recinto do Santuário.

Iniciava-se um ciclo de vida muitíssimo gratificante, de que Brasilino Godinho se orgulha. Durou até ao dia 02 de Junho de 2008 em que faleceu a minha mulher. Dela conservo mui profundas saudades.

 

Legendas das fotos:

- quatro tiradas durante os passeios das criaturas enamoradas. Repare-se que naquela em que estamos andando, mantemos os passos sincronizados sem nos termos dado conta.

- a quinta insere a imagem do momento das assinaturas da acta de registo do casamento, na sala da Reitoria do Santuário de Fátima.