390. Apontamento
Brasilino Godinho
31/Março/2020
UM DESAFORO JORNALÍSTICO
01. Em Outubro de 1933, Oliveira
Salazar criou o Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) que em 1945 tomou a
designação de Secretariado Nacional de Informação (SNI).
A principal actividade de tal
organismo era consagrada à propaganda do regime, exaltação das realizações do
governo e consagração da figura do ditador.
Durante os anos de vigência do
Estado Novo eram relativamente frequentes nos jornais de Lisboa, Porto e na
Emissora Nacional as referências e transcrições dos artigos e reportagens que
surgiam na imprensa internacional, principalmente no diário francês Le Figaro,
realçando e elogiando sobremodo quer o regime quer o presidente do Conselho,
António Oliveira Salazar.
Depois do termo da Segunda Grande
Guerra em meados de 1945, e na sequência da euforia democrática que se lhe
seguiu, o Estado Novo sentindo-se acossado pela latente hostilidade das nações
aliadas vencedoras do conflito, desenvolveu intensa actividade nacional e internacional
de propaganda na perspectiva de contrabalançar as manifestações hostis que
ocorriam no estrangeiro e com algum eco em Portugal.
Essas acções de publicidade
enganosa caracterizavam-se, sobretudo, pelos artigos de opinião e reportagens
de jornalistas que, supostamente isentos, eram pagos à peça, pela elaboração de
textos elogiosos que bastante insinuavam e enalteciam as virtualidades e realizações
da governação de Salazar.
Para dar ideia do que acontecia
no domínio da propaganda do Estado Novo, sob a égide do SNI, anoto que o
conservador periódico francês Le Figaro
e o jornal Action Française, de
Charles Maurras, eram os órgãos da imprensa internacional que mais se destacavam
em inserir textos muito favoráveis ao regime salazarista.
Ao correr da pena lembro-me de
uma peça publicada no Le Figaro, no
princípio do ano de 1946, em que o autor, jornalista francês, fazia um rasgado
elogio das estradas de Portugal, na sua maioria com pavimentos de macadame e de
terra batida, comparando-as com as da França e da Alemanha que estavam em
deficientes condições de traçados e de pavimentações, algumas intransitáveis.
Importa esclarecer que elas tinham sido devastadas pela guerra e ainda não
houvera tempo de as reconstruir.
02. – O que escrito precede veio
a recordação ao ler o título do artigo do jornalista francês Anthony Bellanger,
do seguinte teor: “Le mystère portugais face au Covid-19”.
O Jornal Económico embandeira em arco ao escrever que “a imprensa
francesa elogia a forma como Portugal está a lidar com a pandemia” e acolhe a
ideia do francês de que Portugal foi “Um país melhor preparado”.
De imediato, há que fazer o
reparo sob dois aspectos: primeiro, um jornal francês que insere um texto é
unidade restrita e limitada de um conjunto que se chama imprensa francesa;
segundo, os órgãos da imprensa francesa muito (mesmo muito) raramente se
referem a Portugal – disso dão testemunho os nossos emigrantes.
Depois, não corresponde à verdade
dizer-se que Portugal “estava melhor preparado”.
Está universalmente reconhecido
que nenhum país estava preparado para enfrentar a calamidade do coronavírus.
Por cá, temos consciência de que
se cometeram erros que estamos pagando bem caro, com perda de bastantes vidas.
E ao Serviço Nacional de Saúde
têm faltado instrumentos, meios e equipamentos de protecção individual, a tal
ponto de gravidade que temos centenas de médicos, enfermeiros e funcionários
hospitalares contagiados e vários mortos contados entre quantos profissionais actuavam
nos estabelecimentos de saúde.
Também há que referir que a
evolução da guerra que actualmente nos aflige vai decorrendo com graves lacunas
no Serviço Nacional de Saúde; as quais, afectam sobremodo a eficiência e a
segurança dos profissionais e avoluma o número de mortos.
Ainda ontem, foi anunciado que os
enfermeiros vão lançar uma acção judicial contra o Estado por estarem obrigados
a trabalhar sem o imprescindível equipamento de protecção.
Face à realidade da tragédia que
tão dolorosamente atinge a nação portuguesa, é inaceitável que haja alguém a
desvirtuá-la e se permita o desplante de elaborar incríveis apreciações
lisonjeiras, baseadas num cenário e contextos fantasiosos.
Tão irrealista peça de um jornalista
francês que até nos trouxe a lembrança das pretensiosas encomendas feitas pelo
SNI de publicidade e vanglória do Estado Novo.
Daí que fará sentido inquirir:
quem terá encomendado o sermão ao
articulista francês?
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