PORTUGAL ESTÁ VICIADO EM CRISES
Parte II
(Continuação da Parte I)
Brasilino Godinho
01. Se bem ponderarmos e
encararmos a questão com racionalidade intui-se que se o nascimento é o
princípio de vida fora do ventre materno, também será o início de percurso
irreversível rumo à morte.
Algo parecido sucedeu com
Portugal.
02. Em início desta segunda parte
vamos restringir a apreciação do tema de Portugal viciado nas crises, ao
importante aspecto elucidativo de como essa viciação terá sido iniciada com mais
insistência e pertinácia a partir da questão dos Descobrimentos.
03.Descobrimentos que se
constituíram como valiosos factores de o País lograr atingir elevada grandeza,
assinalado prestígio, grande influência na Europa e avultadas riquezas. Mas se
assim se consumou o sucesso do movimento das descobertas oceânicas, também em
simultâneo, e logo no século XV, se começou a notar a decadência da nação
portuguesa; a qual, se foi acentuando ao compasso do tempo, atravessando vários
séculos, até chegar à actualidade.
04. Para não irmos mais longe no
espaço temporal e mais fundo na pormenorização dos factos e das situações,
bastará tomarmos conhecimento de que o poeta Sá de Miranda, no século XVI foi,
ele próprio, lúcida testemunha da ameaçadora desagregação social que despontava
nos horizontes da capital do reino português.
Na Carta a D. João III, Sá de
Miranda chamou a atenção do monarca para o abandono a que a agricultura estava
voltada (sobretudo, resultante de a população ser mobilizada para outras actividades
e para a participação nas tarefas relacionadas com a marinhagem, construção
naval e como equipagens para as expedições náuticas). Também alertando o rei para
a perversa e exagerada prática do luxo e, ainda, para os escândalos e vícios da
sociedade e da corte.
05. Para além de
importante testemunha de tal estado de coisas, Sá de Miranda, foi ele próprio
elemento vivo da crise na Igreja, decorrente da devassidão e do desapego aos
valores da integridade moral, da fidelidade aos princípios e juramentos relativos
às normas e regras do celibato, da pureza e da intrínseca seriedade e
inequívoca honestidade exigíveis aos dignitários religiosos.
06. Uma situação pessoal que
decorreu do facto de Sá de Miranda ser filho de um cónego da Santa Madre Igreja,
na Diocese de Coimbra e de mãe solteira – ou seja um vivo elemento comprovativo
de como já, naquela época, o celibato e a castidade dos clérigos andava pelas
ruas da amargura de muitos pecados e prevaricações mais ou menos encobertas,
disfarçadas ou hipocritamente expostas. Diga-se que nesse percalço existencial
o insigne poeta, introdutor do soneto em Portugal, obviamente que não teve
culpa. Terá sido vítima circunstancial, se considerarmos que, naquela época,
ser filho de padre não era coisa bem vista pela arraia-miúda (no nosso tempo já
não é assim; até tivemos um presidente da República, filho de padre.
Circunstância, também ela, demonstrativa da crise de valores de que está
possuída a nação portuguesa).
07. Porém, há que realçar as importantes
facetas da rica personalidade de Sá de Miranda; nomeadamente, o seu carácter
impoluto, a sua coerência e ter sido o primeiro poeta a ocupar-se com os
encontros e desencontros do seu ego, de que deu notória evidência na seguinte
composição poética: “Comigo me desavim,/Sou posto em todo perigo;/Não posso
viver comigo/Nem posso fugir de mim.”
De anotar também que é dele a
autoria da célebre composição poética: “Homem de um só parecer,/dum só rosto e
d’uma fé,/ dantes quebrar que torcer/outra cousa pode ser,/mas da Corte homem
não é”.
Outrossim de realçar que Sá de
Miranda, terá sido o primeiro poeta a declarar que sê-lo em plenitude, é sentir
como profeta e dever denunciar os vícios da sociedade, sobretudo da Corte e
propor formas de vida em harmonia com os sadios e regulares interesses das
populações.
08. Enfim, e retornando
incisivamente ao assunto aqui objecto da nossa análise, centrado na incidência
temporal que fixámos a partir do século XVI, as malfadas crises da Monarquia,
da Sociedade e da Igreja, marcaram, indelevelmente, o início de uma persistente,
vergonhosa, indecente, prejudicial e sofredora situação de um enorme amontoado
de crises, que tanto vem contribuindo para a terrível degradação da heterogénea
nação que é, afinal, a sociedade dos inúmeros aflitos e atormentados
portugueses. A qual, calamidade, se configura como perene.
(continua em Parte III)
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