Um texto sem tabus…
E agora? - Veremos… como dizia o cego Palonço.
/
1 – Para vós, leitor amigo e leitora simpática - decerto, atraente e gentil como, geralmente, são as mulheres do nosso encantamento - vá lá uma pequena (ou grande?…) provocação: qual a parecença entre Cavaco e a formiguinha?
A explicação é simples. Enquanto a formiguinha, curioso insecto de comprovados instintos sociais vai, ao longo da sua existência, trabalhando laboriosamente na recolha de víveres e, assim, aprovisionando mantimentos que lhe darão sustento e condições físicas e anímicas (por que não isso considerar no pequeno ser?...) de mobilidade e continuidade de vida; também Cavaco – a singular essência de mamífero primata, bípede e sociável, vivinho como a sardinha da costa portuguesa acabada de pescar, ágil, matreiro, persistente calculista das mais imprevistas searas, boa pessoa, distinto chefe de família, mestre contabilista de poucos ganhos e de muitas perdas da nossa desventura colectiva, curioso espécime de animal político, apreciada consequência daquela coisa que resultou das voltas da roleta do Casino da Figueira da Foz no decurso dum célebre congresso da família das Rutáceas, cujos acídicos frutos (laranjas e laranjinhas), numa época recente, se transformaram numa praga ameaçadora para o equilíbrio ecológico da terra lusa, cobiçosa personalidade que, não obstante ser algo desengraçada, integra as forças vivas da sociedade portuguesa - não se resignando, após a saída do governo, a ser uma folha caída, imprestável, da grande árvore do Orçamento da Pátria a que se abrigam todos quantos desempenham pequenos ou grandes papéis no apalhaçado circo político em que se converteu a desgovernação deste país e atento observador da natureza animal, inspirando-se no exemplo daquela criaturinha optou por imitá-la e prosseguir durante os últimos dez anos uma indiscreta actividade nutricionista tendente ao fortalecimento da matéria corpórea, à estilização dos gestos, das poses, das atitudes e à melhoria do indeterminado substrato. Para um observador distraído seriam pequenas coisas que, passando despercebidas ao cidadão comum, eventualmente, poderiam revestir alguma importância para o sujeito em foco. Ainda assim, qual? Um dado parecia certo: Cavaco procurava atingir melhor visibilidade quando se apresentasse na praça pública. Mas, para quê tal exposição e adorno?
2 - A cavacal figura tinha-a fisgada…
Particularizando: o esforçado político algarvio desenvolvendo tantos trabalhos e empenhos almejava atingir metas bem congeminadas no seu íntimo. Desde logo e durante a precedente década, criar adequada, flexível e robustecida estrutura física, vivificar a empedernida alma e dilatar a periclitante fama, com o objectivo de aguentar a corrida até à presidência da República. Nos últimos meses agigantando-se nessas tarefas, apoiado nas inúmeras contribuições logísticas advindas dos potentados financeiros e nas cumplicidades sabiamente (melhor dizendo: escandalosamente) distribuídas por televisões e jornais de maior influência na opinião pública que o apaparicaram, o trouxeram nas palminhas e, dessa especial maneira, lhe proporcionaram resguardo, conforto e incentivo, ele, tendo-se excedido no propósito, contemplado nos trabalhos, enaltecido nas canseiras e prometendo mundos e fundos, finalmente, a 22 de Janeiro de 2006, logrou ser escolhido para o ambicionado lugar no palácio de Belém.
3 - Pois… Aníbal Cavaco Silva triunfou! O novo presidente festeja! Um coro de fiéis amigos e correligionários aclama-o. O PSD rejubila. O PP põe-se nos bicos dos pés e bate palmas. Contra todas as aparências, tem razões de sobra para o fazer e para reclamar o devido reconhecimento da sua valiosa parceria como intermediário na corrente dos apoios.
Ocorre inquirir: só as referidas entidades atingiram o êxtase do contentamento? Não!
Está aí, radiante, objectivamente muito senhora de si, a instituição que mais contribuiu para a vitória de Cavaco Silva: a OPUS DEI! A grande vencedora! Escondida e silenciosa que nem uma rata de sacristia. Porém, com a habitual discrição e remetendo-se aos seus misteriosos cenáculos, ela aplaude e celebra o resultado eleitoral do dia 22 de Janeiro de 2006. Até na hora da vitória que é muitíssimo sua, todo o mundo, de forma conveniente e ajustada à índole da poderosa “fraternidade”, se esqueceu dela.
Também importa referir a satisfação com que nalgumas “lojas” se encara a eleição de Cavaco Silva para a suprema magistratura do Estado.
A propósito, anota-se que sobre as associações que fazem do secretismo a sua forma de vida, pairam tabus, por sinal, bastante gravosos para a nossa amargura colectiva…
4 - Mais uma vez se consagrou aquilo que estando à vista de toda a gente é interesseiramente negado por alguns comentadores desonestos e não conhecido por pessoas incapazes de pensar sem subordinação a interesses ou ideias alheias. Queremos referir-nos à decisiva importância que os órgãos de comunicação social têm na transmissão das mensagens e na aceitação que o público lhes dá. No grau cimeiro dos resultados da promoção das candidaturas e quaisquer que sejam as eleições, as redes televisivas têm um papel fundamental e preponderante. Isso é conseguido pela enorme dependência da maioria da população face à TV, pelos impactos das imagens e pelas artificiosas práticas de insinuação e manipulação das mentes dos telespectadores. Por exemplo: em tempos idos, no Brasil, foi a Rede Globo de Televisão que “levou ao colo” Collor de Melo à presidência da República Federal do Brasil. Igualmente, o antecessor de Lula, Fernando Henrique Cardoso, teve as duas eleições asseguradas porque contou com o indispensável patrocínio da TV Globo. O actual presidente, Lula da Silva, após três tentativas falhadas só conseguiu ser eleito à quarta vez por, na derradeira fase da respectiva campanha, ter conseguido captar a simpatia e o apoio de Gilberto Marinho, ao tempo, o poderoso dono da TV Globo.
5 - Atendo-nos ao caso português ora protagonizado por Cavaco Silva dizemos o seguinte: as estações RTP, SIC e TVI, conjugaram esforços e atenções na descarada promoção de Cavaco Silva. Nota saliente e insólita, representativa dessa prestante colaboração, foi-nos dada pela SIC no próprio domingo da eleição. Enquanto decorriam as últimas votações e antes das 20 horas – a hora em que foi anunciada a previsão do candidato vencedor - a SIC transmitia uma entrevista com uma jovem senhora que, a pretexto de análise à campanha eleitoral e suscitando o visível agrado e embevecimento da entrevistadora, ia fazendo apreciações que, pelo tom e expressões utilizadas, constituíram um indecoroso e patético esforço para instigar os telespectadores indecisos a irem votar em Cavaco Silva. Impressionante a desfaçatez daquele encapotado apelo de última hora.
Claro que o poder de influência e persuasão das televisões junto das camadas populares constitui um assunto sério e complexo sob variadíssimos ângulos. Preocupante. A impor urgente dissecação pelos especialistas descomprometidos de diversas áreas científicas. Trata-se de um problema com a maior gravidade em Portugal dado o exagerado número de milhões de analfabetos primários, funcionais e culturais. Todos, uns mais que outros, experimentando grandes dificuldades na compreensão das comunicações orais e escritas e na apreensão do sentido das coisas e dos procedimentos. E, consequentemente, impossibilitados de darem forma a qualquer análise crítica sobre aquilo que ouvem ou vêem, que os habilitem a fazer escolhas de acordo com os seus interesses pessoais e os de ordem geral com relevância para a comunidade. Também incapazes de descodificarem os capciosos expedientes a que recorrem certos indivíduos, verdadeiros profissionais na arte de confundir e intrujar o semelhante. Pior, ainda, o extraordinário domínio exercido pelos poderes ocultos nas diferentes áreas da comunicação social, com relevo para as televisões; o qual, se reflecte negativamente no seio da sociedade portuguesa.
Muito estranho que a alta entidade que supervisiona os processos eleitorais não tenha reagido à flagrante violação (atrás mencionada) da respectiva lei, por parte da estação televisiva SIC.
6 - O ciclo intensivo de propaganda, designado “campanha eleitoral”, terminou. Não deixa saudades, se tomarmos em linha de conta o obsceno festival dos esbanjamentos dos consumos, dos insuportáveis e pirosos espectáculos folclóricos, das deprimentes manifestações de incivismo, das excessivas atitudes hipócritas, das indecorosas faltas de coerência e de ética, dos comportamentos imbecis e dos despautérios protagonizados por alguns intervenientes. Uma triste e deplorável sucessão de acontecimentos à medida do estado geral de degradação da sociedade portuguesa.
A eleição presidencial concretizou-se. De imediato, o viciado círculo político retomou a habitual rotina diária de propaganda eleitoral. O Dr. Jorge Sampaio prestes a desocupar o palácio de Belém, saldando contas e dedicações, vai se despedindo em beleza – condecorando, em série, diversos amigalhaços e confrades. São gestos de longos alcances, indispensáveis, bonitos, pomposos, elegantes… Afinal, a actual República é generosa e compensatória para alguns predestinados nativos de Lisboa. Ela também sabe enfeitar-se e envaidecer-se consoante as circunstâncias e os requintados gostos dos seus chefes de turno…
Já anunciado: o novo presidente da República tomará posse do cargo em Março próximo. Abram alas! (Por favor, não o molestem!). Vem aí, correndo, impetuoso, abnegado, magnífico, o novo salvador da Pátria…
7 - Aparentemente, estão ressalvadas as normas democráticas. Tudo conforme os arreigados usos e costumes. O Governo desatina. A Assembleia da República estrebucha e desentende. A Justiça vacila. A Igreja contempla. A Comunicação Social (alguma bem-mandada) entretém-se e confunde. A Nação queda-se aturdida… talvez sob hipnose. O Zé Povinho está quase nu, de tanga cada vez mais esfarrapada…
Entrementes, Portugal hiberna…
Agora, aos indígenas lusos que somos, resta-nos ir acompanhando a marcha do tempo. E, como dizia o cego Palonço: Veremos!?…
Brasilino Godinho
E-mail: brasilino.godinho@netvisao.pt)
http://quintalusitana.blogspot.com/
0 Comentários:
Enviar um comentário
<< Página Principal