A ORGIA DO ESPALHAFATO
MEDIÁTICO EM PORTUGAL
Brasilino Godinho
23/11/2022
A Comunicação Social em Portugal nas últimas quatro semanas tem estado eufórica. Tem-se contemplado com a evocação do centenário de José Saramago, com a novela do Cristiano Ronaldo, o campeonato da bola do futebol do Catar, as decadentes mesas redondas, quadradas, oblíquas das futebolites agudas, as notícias sobre as corrupções em trânsito de impunidade, as peripécias políticas e governativas e com as habituais mexeriquices e palermices dos participantes na patética e indecente narrativa do Big Brother.
Nos jornais, revistas, televisões e sítios da Internet, processa-se uma orgia de obscenas e ridículas fofocas de vida das actrizes e actores, das actividades absurdas de políticos e governantes, que causam repugnância a quem não alinha em seguir tais movimentos e actividades sem nexo de interesse social e recreativo.
E tudo isso é divulgado através das estações televisivas e de publicações que estão atravessando um período de grandes rendimentos, provido do acolhimento que lhes é facultado por milhares de leitores desprovidos de elementar cultura e com fraco discernimento.
É um panorama deprimente e que reflecte um estádio de subdesenvolvimento social, político e intelectual.
Aqui e agora, cinjo-me à expressão de José Saramago do teor seguinte: "O heroico de um ser humano é não pertencer a um rebanho". Ela tem sido ultimamente muito celebrada na imprensa como se fosse uma obra-prima de elevação do pensamento.
Dá-se a curiosidade de José Saramago, que concitava grande oposição em certas camadas da sociedade, agora, a propósito do centenário do nascimento, parece ter suscitado um amplo consenso de magnitude pessoal que fazem temer vir a ser canonizado pela Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana.
Cansa ouvir e ler a toda a hora as intermináveis referências a José Saramago, a Cristiano Ronaldo, aos actores do circo político e do colégio governamental e às amizades, controvérsias e beijocas de filhos, amigas e compadres, trocados e expostos nos sítios da Internet e nos órgãos da Comunicação Social.
Reportando à frase de Saramago, acima reproduzida, ela não é tão expressiva e redutora como aparenta ser. Desde logo, por enfermar de uma característica pessoal de Saramago que, implicitamente, se desvinculou da ideia de ser heroico; pois que ele pertenceu, inequivocamente, ao rebanho comunista.
Por outro lado, há bastante gente que está arrebanhada em partidos políticos, seitas religiosas e maçónicas, Donos Disto Tudo e que se estão marimbando para a heroicidade apregoada pelo escritor Saramago.
Também, por outra vertente, haverá quem se sinta heroico por pertencer integrado em grupo de exploradores que suscita hostilidade generalizada.
A heroicidade deve ser contemplada com admiração, respeito e solicitude, que não com expressões sem nexo com a grandeza do termo e do facto consumado de alto valor moral, social e cívico nele configurado.
Sucintamente, são aspectos que não conferem mérito â afirmação de descabida e equívoca heroicidade expressa na linguagem de José Saramago.
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